Turbinando os 5 Por quês
- A identificação da causa raiz de um problema, na maioria das vezes, não é um processo linear
- Um efeito é geralmente provocado por mais de uma causa, de ações concomitantes ou dependentes
Ao procurar determinar a causa raiz de um problema, uma das possibilidades consideradas (e talvez com maior freqüência por sua facilidade de aplicação) é a ferramenta desenvolvida pela Toyota de perguntarmos 5 vezes o porque de determinado efeito indesejável estar acontecendo.
Questionamos neste artigo a validade dessa ferramenta, mesmo para problemas simples que tentamos resolver. O fato é que a resposta ao “por que” indagado, nem sempre é suficiente para explicar a causa anterior analisada.
Vamos a um exemplo:
- Efeito indesejado: cliente reclama que o café servido está frio
- Por que está frio?: porque demorou para ser servido….
- Por que demorou?: porque o balconista teve que atender o telefone….
- Por que não serviu o café antes de atender?: porque a mesa do cliente estava distante e não havia mais ninguém que pudesse atender o telefone
Aqui caberiam duas perguntas: - Por que a mesa está distante do ponto de café e por que não havia mais ninguém que pudesse atender ao telefone…
- Supondo que a disposição das mesas é a mais adequada para criar um ambiente agradável aos clientes e que a infra-estrutura do negócio não comporta a contratação de mais atendentes, a resposta poderia ser: não devemos mudar a disposição das mesas e não será possível contratar mais pessoas – devemos então avaliar o processo de atendimento sob outra perspectiva.
A causa raiz estaria então no processo de atendimento.
O café estava frio porque não havia instruções claras de que ao passar o café, este deveria ser prontamente servido ao cliente. Frente a causas especiais como uma ligação telefônica, dever-se-ia solicitar que a pessoa que ligou aguardasse um minuto enquanto se servisse o café, ainda quente ao cliente. Ao fazermos um café, a entrega deste ao cliente passa a ser a prioridade do balconista.
Será que estaríamos assim encontrando a causa raiz do problema? A solução seria mudar as regras de atendimento? A solução é assim de simples?
Uma alternativa
Vamos tentar analisar o mesmo problema com outra ferramenta. Primeiro devemos analisar o efeito indesejável sob ângulos mais abrangentes:
Efeito |
Café |
Possível causa #1 |
Telefone toca |
Possível causa #2 |
Poucos atendentes |
Possível causa #3 |
Temperatura do café preparado (causa não |
Possível causa #4 |
Temperatura ambiente (causa não considerada |
Possível causa #5 |
Material da xícara dissipa calor |
Possível causa #6 |
Mesa distante |
Vamos parar por aqui… Se analisarmos agora o problema, a ferramenta dos 5 por quês fica difícil de ser utilizada. Verificamos que o efeito de termos servido um cafezinho frio ao cliente pode ter sido originado por diferentes causas ou a combinação de algumas delas. A solução simplista de estabelecermos um procedimento para priorizar a entrega do café quando uma causa especial ao processo estiver presente, pode vir a prejudicar o sistema como um todo (suponham que ao invés do telefone ter tocado, um equipamento qualquer presente no ambiente apresentasse um defeito que poderia gerar um risco de segurança aos que estão presentes – qual deveria ser a atitude do balconista? Ou estaríamos aqui fazendo uma revisão do procedimento de servir café, acrescentando um adendo para priorizar incidentes de risco? Quais outras causas especiais deveriam ser consideradas?).
Queremos com isto salientar que, ao respondermos um “por que” referente a um efeito indesejável, raramente iremos encontrar uma causa suficiente (uma única causa) que possa explicar o efeito analisado. Dessa forma, corremos o risco de desperdiçarmos recursos para solucionar um problema, trabalhando com causas que apresentam falta de elementos que possam explicar completamente o efeito.
Uma forma de evitarmos isso é pensarmos em termos de efeito >>> causa >>> efeito como nos 5 por quês, porém utilizando uma técnica de correlação de eventos que leva em consideração algumas premissas que deverão ser atendidas.
A base dessa ferramenta provém dos estudos de “Eliyahu Moshe Goldratt (1948) que é um físico israelense que se tornou consultor de administração, e um dos proponentes da Teoria das Restrições”.
Passo a passo aplicado em um exemplo
1o Passo: a análise do efeito >>> causa >>> efeito assume que algo (o café frio) é o resultado “inevitável” da existência de uma causa ou conjunto de causas
Ao lermos o esquema acima, (se o telefone tocar então o café ficará frio) não identificamos uma relação de causa>>>efeito suficiente. Certamente necessitamos de mais entidades que possam explicar o efeito indesejado (este tipo de análise não ocorre quando praticamos os 5 por quês de forma inadequada)
Precisamos neste passo definir o seguinte:
- Qual é o sistema que estamos analisando?
(neste caso é o sistema de um bar especializado em servir café) - Qual o seu propósito? Por que ele existe?
(seu propósito é o de gerar lucros através de um atendimento diferenciado de seus clientes
de produtos excelentes) - Quais as suas principais métricas de sucesso?
(clientes satisfeitos, produtos padronizados, atendimento diferenciado) - Qual o escopo de nossa análise?
(identificar causas que expliquem a entrega do café frio ao cliente)
Observação: é importante lembrarmos que esse tipo de análise tem grande valia para as chamadas causas comuns do sistema (problemas crônicos) apesar de poder ser utilizado também para análise de causas especiais (problemas pontuais).
Para reduzir a chance de esquecermos alguma possível causa e facilitar a identificação das 5 (mínimo – ver passo 2) recomendadas pela ferramenta, o problema deverá ser analisado levando-se em consideração os 6 M’s como a seguir:
Área considerada |
Possíveis causas |
Método (processo) |
Falta de procedimento para priorizar ações |
Material |
Material da xícara dissipa o calor rapidamente |
Mao de Obra |
Poucos funcionários para o atendimento |
Medição |
Falta de controle da temperatura do café produzido |
Máquina |
Máquina com temperatura desregulada Falta de aparelhos telefônicos (headsets) que possibilitem o uso das mãos enquanto atendidos |
Meio Ambiente |
Dia muito frio |
2o Passo: Identificar o conjunto de entidades que possam explicar o efeito indesejado e suas correlações. Neste passo, devemos listar de 5 a 10 entidades (que chamaremos de efeitos indesejáveis – EI) existentes no sistema, relativas ao escopo da análise definida no passo 1. Esse procedimento é mais eficaz se realizado em grupo.
No nosso exemplo: (quais são os efeitos indesejáveis do sistema)
3o Passo: Diagramar as relações de causa>>>efeito existentes entre as entidades pertinentes
- Conecte uma entidade por vez até que todas as entidades relacionadas no passo 2 estejam conectadas em uma árvore
- Concentre-se em conectar somente as entidades relacionadas. Teremos oportunidade de expandir as limitações nos próximos passos.
- Evite acrescentar novas entidades neste passo, a não ser que seja requerido para conectar uma entidade à árvore. Novas entidades serão identificadas no passo 4.
4o Passo: Revisar as relações construídas e analisar suficiência de causa
- Aproveite a oportunidade para expandir a árvore e obter um maior entendimento da realidade atual.
- Observe se há conexões faltando.
- Se você não puder ler as relações SE>>>ENTÃO das entidades de uma forma clara e consistente, busque as entidades faltantes
- Mantenha as cores dos efeitos indesejáveis levantados no passo 2. Isso facilitará a identificação das entidades acrescidas à arvore e, no final, quais delas influenciam o maior número de efeitos indesejáveis identificados. Esse passo será fundamental para priorizar ações corretivas no passo 5.
5o Passo: Identifique a causa raiz.
- Identifique o caminho entre as entidades de entrada na árvore (as que estão na base da árvore construída) e o efeito indesejável analisado.
- Verifique quais entradas tem conexão com os efeitos indesejáveis identificados nos passos 1 e 2 da ferramenta.
- Qualquer entrada que seja responsável por 80% ou mais dos efeitos indesejáveis pode ser considerada como uma causa raiz.
Pergunte-se: “se a causa identificada for eliminada, o que acontecerá com o resto da árvore construída?”
No caso do nosso exemplo, a solução seria termos xícaras adequadas e uma temperatura de confecção do café mais elevada, alem de um sistema que garantisse a temperatura adequada de confecção do café – alternativas que dificilmente seriam consideradas pelos 5 por quês. Além disso, passamos a ter uma visualização do sistema e suas variáveis. Uma combinação de ações que englobam xícaras adequadas para garantir um café quente por mais tempo, temperaturas controladas de confecção do café e um tempo limitado para servir o café aos clientes, evitariam o efeito indesejável de servir café frio.
Próximos passos:
Se você souber o que fazer para resolver o problema identificado, vá em frente. Se você não tem a mínima idéia do que fazer, ou qual deve ser a solução para o problema, uma abordagem Lean Seis Sigma (LSS) pode ser interessante.
Em um programa LSS, poderíamos aplicar esta ferramenta em todas as etapas do DMAIC. Na etapa Definir para ajudar a focar o projeto, durante a etapa Medir para ajudar na identificação de ganhos rápidos ou solucionar problemas do sistema de medição, na etapa Analisar-Melhorar para ajudar na identificação da árvore de causas e na identificação de soluções, possivelmente junto com a FMEA. Finalmente na etapa Controlar para ajudar a identificar controles apropriados.
Referências bibliográficas:
- Scheinkopft, Lisa J. (1999). Thinking for a change. St. Lucie Press, New York, USA. ISBN: 1-57444-101-9.
- Dettmer, H. William (2007). The logical thinking process. Quality Press, Milwaukee, WI. ISBN: 978-0-87389-723-5
- Gano, Dean L. (1999). Root cause analysis. Apollonian Publications, Yakima, Washington. ISBN: 1-883677-01-7
- Eliyahu Moshe Goldratt (1948) – http://pt.wikipedia.org/wiki/Eliyahu_M._Goldratt
Sergio Merighi
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