Banas – Causas Comuns são inerentes ao processo?
- O conceito difundido de que as causas comuns são inerentes ao processo e exigem investimentos apreciáveis, não é mais válido graças às ferramentas do Seis Sigma.
- A tarefa “on-line” dos operadores na detecção e eliminação das causas especiais complementa-se com estudos off-line dos Green Belts e Black Belts.
O desconforto das Causas Comuns no CEP
O artigo foi dividido em três partes. Na presente seção destaca-se como a definição feita no CEP de que causa comum é sinônimo de causa inerente ao processo, pode gerar confusão e falta de motivação para a melhoria contínua. Em uma segunda seção apresenta-se uma proposta de Pyzdek para trabalhar com monitoramento “on-line” do processo ao mesmo tempo em que se faz monitoramento “off-line” das causas comuns. Finalmente mostram-se exemplos reais.
Uma nova personagem apareceu no pedaço, de nome “Só POP” (Procedimento Operacional Padrão), que é muito consciente com o seu trabalho, mas às vezes apegado demais às normas e procedimentos. Ultimamente leu o artigo da Banas: “Métodos qualitativos versus quantitativos” e ficou um tanto preocupado. Esse artigo alerta sobre a ênfase exagerada dos aspectos qualitativos do gerenciamento da qualidade em detrimento da análise rigorosa dos processos. Ele tem vivenciado situações nas quais as pessoas que usam CEP somente ficam preocupadas quando aparecem causas especiais. O processo sob controle parece ser um passaporte para manter o status quo.
“Só POP” conhece bastante os princípios do Controle Estatístico de Processos (CEP), ferramenta muito valiosa que pode ser utilizada em todas as etapas do DMAIC. Durante a etapa Definir, pode ajudar na priorização dos problemas. Na etapa Medir é importante para o controle dos sistemas de medição e componente fundamental do estudo de capacidade para estabelecer a linha de partida para o projeto. Nas etapas Analisar e Melhorar ajuda na descoberta das causas raízes e na validação das melhorias, e na etapa Controlar auxilia no gerenciamento do processo para manter os ganhos.
“Só POP” está “encucado” com uma questão e foi trocar umas idéias com “Histo DOE”, o Black Belt que o ajuda com as questões do Seis Sigma. Mantiveram o seguinte diálogo:
Só POP: “Oi Histo DOE, você tem um tempinho para conversarmos?”
Histo DOE: “Sempre pronto!”
Só POP: “Há uma questão que sempre me confunde um pouco quando trabalho com CEP. Acompanhe meu raciocínio com esta frase da página 96 do livro de Montgomery (observe que para Montgomery causas aleatórias é sinônimo de causas comuns e causas atribuíveis, sinônimo de causas especiais):
Em qualquer processo … independentemente de quão bem planejado ou cuidadosamente mantido ele seja, uma certa quantidade de variabilidade inerente ou natural sempre existirá.
…Diz-se que um processo que opera apenas com as causas aleatórias de variação está sob controle estatístico. Em outras palavras, as causas aleatórias são uma parte inerente ao processo…
E veja também o que ele comenta em relação ao grande objetivo do CEP:
Um objetivo maior do CEP é detectar… a ocorrência de causas atribuíveis das mudanças do processo, de modo que a investigação do processo e a ação corretiva possam ser realizadas… O gráfico de controle é uma das técnicas para monitoramento on-line do processo largamente usado para esse propósito.
Mais para frente agrega: “… Finalmente lembre que o objetivo do CEP é a eliminação da variabilidade no processo.”
Só POP: “Você percebeu certa incoerência?”
Histo DOE: “Pois é! Sempre devemos ter cuidado com a observância cega das regras. Há realmente um conflito, percebeu? Por um lado se menciona que as causas comuns são próprias do processo e por outro lado que a variação deve ser eliminada. O que acho ainda mais grave é que muitas vezes se passa a idéia (veja a definição de “Common Cause” e “Common Cause Variation” no site www.isixsigma.com) de que a variabilidade gerada pelas causas comuns é mais complicada de resolver e só pode ser resolvida com mudanças apreciáveis do processo. Também se destaca que as causas comuns são uma medida do potencial do processo (da tecnologia); a porção remanescente da variabilidade depois de remover as causas especiais devidas a um ou mais dos 6 Ms (Mão de Obra, Meio ambiente, Máquina, Método, Medição e Matéria prima).
Só POP: “É isso mesmo!”
Histo DOE: “Há um artigo interessante de Pyzdek do ano 1990 no qual eu tenho me baseado para fazer muitas melhorias significativas com investimentos quase nulos. Você quer que mostre como funciona a idéia?”
A proposta das Causas Visíveis e Causas Escondidas
Pyzdek (1990) menciona que a obediência às regras do CEP tem vários efeitos indesejados:
- As pessoas pensam que encontrar e corrigir causas comuns é difícil e custoso, e envolve mudanças grandes do processo. Por este motivo, soluções simples e baratas são ignoradas.
- O pensamento inteligente é substituído por conformidade insensata a regras arbitrárias.
- Restringe-se a análise criativa da variação dentro dos limites.
- Inibe-se a melhoria contínua.
A proposta de Pyzdek é que nenhuma variação seja considerada como inerente ao processo. No lugar de usar a classificação de causas comuns e especiais, a proposta é definir as categorias:
- Causas visíveis: aquelas causas que produzem resultados fora dos limites ou comportamentos não aleatórios nos gráficos de controle.
- Causas escondidas: causas cujos efeitos não foram ainda identificados.
Na Figura 1 mostram-se as estratégias sugeridas para o tratamento das causas visíveis e escondidas. O tratamento das causas escondidas é um complemento ao trabalho dos operadores e é realizada off-line pelos times de melhoria e conhecedores do processo. O tratamento deste tipo de causas exige de conhecimento mais especializado.
Figura 1 – Estratégias para tratamento de Causas Visíveis e Causas Escondidas
Exemplos da Descoberta de Causas Escondidas
Exemplo 1: o primeiro exemplo está relacionado com um processo de produção de fio poliéster. Para que não exista variabilidade entre as bobinas depois do tingimento, a tensão do fio deve ser controlada muito bem (variável chave do processo). A Figura 2 apresenta um esquema de uma posição de uma máquina com dois lados que produzem 12 gomos (bobinas) cada. Como o número de máquinas era grande, o pessoal de processo media a tensão correspondente a uns poucos gomos de cada máquina a cada momento nos dois lados da máquina. Após um determinado período todas as posições de certa máquina eram amostradas. Na Figura 3 encontra-se um gráfico de controle da tensão com os dados de uma máquina (Tabela 1).
Tabela 1 – Dados de tensão de fio poliéster em máquina de fiação
Pode-se concluir que a variabilidade gerada pelas causas comuns reflete a capacidade tecnológica do processo? Pode-se afirmar que a estabilidade é sinônimo de que todas as causas produzidas pelos 6 Ms (do diagrama causa-efeito) foram eliminadas? Veja o gráfico da Figura 4 em que os dados foram ordenados por lado (!).
Para quantificar a influência do lado, foi realizado um estudo de fontes de variação (no Minitab Estat\ANOVA\ANOVA Completamente Aninhada) que permitiu concluir que aproximadamente 82% da variância total do processo é devida às diferenças entre lados. Este resultado foi utilizado pelo pessoal técnico para diminuir a variabilidade. Além disso, passou a ser uma rotina realizar amostragem diária para o CEP de 1-2 posições fixas (sempre as mesmas) e amostragem de 100% das posições após certo período (usando o esquema de amostragem da Figura 5).
Figura 2 – Máquina de fiação com ilustração de duas posições que geram duas bobinas
Figura 3 – O gráfico de controle da tensão encontra-se sob controle (a variabilidade das causas comuns indica a capacidade tecnológica?)
Figura 4 – Resultados de tensão, após ordená-los em função de lado (surge alguma evidência de um fator importante de variação?)
Figura 5 – Amostragem de todas as posições com pouca freqüência
Exemplo 2: o segundo exemplo está relacionado com o peso de bateladas de um polímero produzido em um reator (Tabela 2). É desejável que o peso das bateladas não varie muito porque isto fará com que varie o tempo de extrusão e as propriedades do material. O problema está sendo estudado por Nasco, um técnico muito ativo que trabalha na melhoria do processo: “Olha Histo DOE!, que belezinha a estabilidade do peso dos lotes, perfeitamente sob controle! Agora é o momento em que a gerência realmente mostre que está comprometida com a melhoria, e faça os investimentos necessários para reduzir a variabilidade do peso dos lotes! Estamos precisando reduzir a variabilidade em pelo menos 50%”. Histo DOE olhou o gráfico de controle da Figura 6 e ficou com a “pulga atrás da orelha” e fez algumas análises adicionais.
Tabela 2 – Dados do reator (kg)
Figura 6 – O peso dos lotes está sob controle. Somente podemos fazer melhorias com investimentos no processo?
Análise de Histo DOE:
- Histo DOE achou estranho o fato que os limites de controle eram muito largos. Inspecionou os dados e viu que um peso alto era seguido de um peso baixo e que este comportamento era muito repetitivo. Ele percebeu que se Nasco houvesse usado outros testes para causas especiais teria descoberto esta alternância.
- Criou uma variável que chamou de “Período” e que tomava o valor 1 e 2 sucessivamente (com raras exceções). A seguir fez o gráfico da Figura 7, estratificando os dados pela variável Período. Ele deu um pulo: “é isso aí!”
- Depois quantificou, da mesma forma que no exemplo 1, a parte da variação total devida ao efeito “Período”. Mais de 80% da variação era gerada por esse estranho efeito “Período”. Aí ele lembrou ter lido em algum livro que quando se trabalha com processos em lotes isto pode ser comum e foi para a fabricação para tentar resolver o assunto.
- Quando Nasco entendeu o problema ficou também bastante interessado. Juntos descobriram que o volume de trabalho do reator fazia com que o nível de material chegasse justo até a parte superior das serpentinas de aquecimento (Figura 8). A agitação do material fazia que uma parte deste ficasse acima das serpentinas. Esse lote tinha então um peso pequeno. No lote seguinte, o volume era maior porque tinha ficado material na serpentina; o nível subia e lavava a serpentina. Nesse lote o peso aumentava!
- Após a descoberta, a solução ficou fácil. Somente tinham que trabalhar com um nível ligeiramente superior para que o material lavasse sempre o resto do material acumulado na serpentina. Pela primeira vez Nasco ficou tão contente com Histo DOE que até lhe pagou uma cerveja na saída do serviço…
Nasco percebeu que muitas vezes, mesmo que os dados mostrem um comportamento estável, é possível fazer melhorias estratificando adequadamente os dados.
Figura 7 – Os dados mostram alternância de lotes com alto e baixo peso
Figura 8 – O acúmulo de material na serpentina do reator gera o efeito “Período”
Conclusões:
As descobertas que podem ser feitas pela análise off-line, aparecem muitas vezes pela estratificação da característica de interesse em função de alguma variável de processo. Embora em certos casos estes comportamentos possam ser detectados pela aplicação de certas regras para causas especiais durante a análise on-line, os operadores usualmente não têm o tempo nem a capacitação necessários para detectar a causa-raiz destes comportamentos. A exploração dos dados dos processos pode revelar pistas importantes a partir das causas escondidas, permitindo realizar melhorias radicais sem investimentos apreciáveis, mesmo que os gráficos de controle mostrem um comportamento estável. Esta exploração requer maior envolvimento do pessoal que atua em melhoria contínua, mas o esforço pode ser muito bem recompensado!
Referências Bibliográficas:
- Montgomery, Douglas C. (2004). Introdução ao Controle Estatístico da Qualidade. 4. ed. LTC editora: Rio de Janeiro. ISBN: 8521614004.
- Ograjensek, Irena e Thyregod, Poul (2004). Métodos qualitativos versus quantitativos. Banas Qualidade, 148, p. 10-13.
- Pyzdek, T. (1990). There’s no such thing as a common cause. ASQC Quality Congress Transactions. American Society for Quality. p. 102-108.
Carlos Domenech – MBB
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