Lean Six Sigma: Cultura ou Metodologia?
O Sistema Toyota de Produção (Lean) virou cultura na Toyota em todas as plantas, todos os negócios e departamentos ao longo de … mais de 60 anos. Com isso a Toyota conseguiu ser uma empresa com crescimento e rentabilidade inacreditáveis, ano após ano.
Uma publicação do “The Detroit News ( Toyota’s per-car profits lap Detroit’s Big 3 automakers) mostra a Toyota com uma rentabilidade por carro muito superior aos outros três grandes da indústria automotiva: Ford, GM, Fiat-Chrysler (Figura 1). Muitos atribuem essa diferença à cultura persistente da Toyota de inovação, uso de método científico e visão continuada de “época de vacas magras”.
Há muitas empresas que passam por esse desafio, “como fazer com que o Lean Six Sigma não morra na praia?”. Como fazer com que o LSS dure mais do que 2-3 anos? Como fazer que a empresa se interesse pelo LSS no longo prazo? A empresa deve perceber o quanto tem a ganhar pela empreitada. Deve ajudar na busca contínua da perfeição, como a Toyota faz.
A experiência tem mostrado que aproximadamente 60-70% das iniciativas de mudança falham. Levando isto ao contexto LSS:
- 60-70% das empresas que iniciam, param ou fazem “para Inglês ver”
- 60-70% dos Green Belts ou Black Belts treinados acabam não conduzindo projetos
Como conseguir cifras melhores do que essas ao longo do tempo? As empresas deveriam fazer a gestão do negócio usando o método científico proposto pela Toyota ao invés de ficar olhando pelo retrovisor todo fim do mês e cobrando ações imediatistas sem fundamento crítico.
Larry Bossidy e Ram Charan (Confronting Reality, 2004) dá pistas de como a empresa pode fazer muito dinheiro de modo consistente a longo prazo usando um modelo de negócio com três componentes:
-
Realidades externas
-
Alvos financeiros
-
Atividades internas
Bossidy e Charan destacam: “você fará dinheiro relacionando efetivamente suas atividades internas às realidades externas, e determinando os alvos financeiros apropriados”. O Lean Six Sigma pode dar uma ajuda impar para essa persecução dos alvos apropriados com a equação: Suce$o = y = f(X1, X2, X3, X4, X5), onde:
X1 = Cultura ou Metodologia?
X2 = Aspectos culturais da mudança
X3 = Formação das pessoas
X4 = Metodologia
X5 = Seleção de projetos
Cultura ou metodologia (X1)
A Figura 2 mostra as diferenças de enfoque quando o Lean Six Sigma é considerado como mais uma ferramenta de uma grande caixa de ferramentas da empresa ou quando se difunde o LSS como uma cultura que deve orientar a gestão. Nesta visão de cultura, todo mundo pensa LSS, não somente os Belts. Os gestores usam Gestão Por Fatos (GPF) no dia a dia ou eventos Kaizen rápidos para atingir suas metas (Figura 3) e quando elas são mais desafiadoras iniciam projetos LSS; o processo corrigido volta para o dono do processo para fazer a gestão no dia a dia num outro patamar de eficiência.
Gestão da mudança (X2)
A coordenação do programa LSS deve se envolver fortemente na gestão da mudança. As pessoas aceitam a iniciativa? Vem a iniciativa como um ganha-ganha? Qualquer proposta em educação, projetos de melhorias ou intervenções que não valorize a liberdade do individuo para continuar a melhorar a si mesmo, ou melhorar o local em que trabalha, seja superando obstáculos ou resolvendo problemas existentes só serão válidos se os indivíduos envolvidos quiserem dar este passo.
Uma forma falha de lançar os projetos de melhoria é exemplificada com o seguinte comportamento do Champion de um projeto na etapa Definir do DMAIC.
- O Champion “compra a idéia”, e fala para o Black Belt: “você tem todo o meu apoio. Você conhece a metodologia bem mais do que eu. Vai em frente! Qualquer problema, pode contar comigo!”
- O Champion não faz um lançamento oficial do projeto comunicando sua importância para a equipe
- O Black Belt inexperiente começa a ter problemas com os afazeres do dia-a-dia e vê que a própria equipe não tem tempo disponível. Conversa com o Master Black Belt, que pede que fale com o Champion. Tenta falar com o Champion, mas este tem a agenda lotada.
- Três meses após o início do projeto o Champion procura o Black Belt porque deverão fazer uma apresentação para a Diretoria. O Black Belt avisa que o projeto parou. O Champion fica surpreso e reclama da falta de proatividade do Black Belt.
O que falhou neste caso? Isto é raro?
Formação de pessoas (X3)
Há diversas falhas relacionadas com este fator:
- Achar que o treinamento do Belt é tudo: não é feito treinamento de Champions, não é criada uma estrutura, nem há uma estratégia de suporte de RH.
- Falta coach adequado dos projetos. Os Belts não sabem a seqüência de passos nem como aplicar.
- Os Belts não têm tempo disponível, nem a condução dos projetos é uma preocupação dos gestores.
- Ainda podemos ouvir um gerente comentar para o Belt: “o treinamento foi um prêmio para você, uma semana de férias. Agora lembre-se que realizar o projeto é importante, mas não se esqueça das tarefas que você está me devendo, hein?”
Outros aspectos relacionados com o número de pessoas treinadas. Precisamos de tantas pessoas formadas como GB? Qual a correlação disto com o retorno? Veja números da GE versus Allied Signal (Fonte: Steve Zinkgraf. Six Sigma: The first 90 days).
Empresa | Funcionários | BBs | %BBs | GBs | %GBs | Investimento (milhões de US$) | Retorno (milhões de US$) |
Allied Signal | 70.000 | 1.200 | 1,7% | 7.000 | 10% | 33 | 880 |
GE | 220.000 | 4.000 | 1,8% | 60.000 | 27% | 575 | 875 |
Leve em conta que a formação de Green Belts não é somente treinamento, precisam de estrutura adequada que leve em conta: escolha de projetos, coach e recursos. Deve existir um balanceamento entre a quantidade de Black Belts e Green Belts.
Metodologia (X4)
Considerações relacionadas à metodologia:
- Um dos erros que ainda acontece é a falta de integração adequada do Lean com o Six Sigma. As duas são visões ótimas para se atingir alta produtividade de forma constante (sem variação).
- Formação de Belts com programas muito diferentes. Há alguns casos onde o DMAIC é aplicado com somente o uso das 7 ferramentas básicas.
- Programas com durações diferentes. Isto é uma pérola! Yellow Belt pode durar de 1 a 10 dias, Green Belt de 3 a 10 dias, Black Belt de 10 a 30 dias, Master Black Belt de 5 a 20 dias. Qual você escolhe?
- Percebem-se erros grosseiros na aplicação de ferramentas com conclusões sem qualquer fundamento científico.
Seleção de projetos (X5)
A escolha de projetos é realmente um fator da maior importância; inclui várias considerações:
- Os Belts deveriam assistir ao treinamento já com a definição certa do projeto. Há Belts que concluem o treinamento sem ter escolhido ainda o projeto.
- A escolha deveria ser feita de maneira organizada fazendo ligação com as necessidades da empresa (planejamento estratégico). As vezes é o próprio Belt que escolhe seu projeto porque o gestor não tem tempo para perder nisso.
- Cuidado com a condução de projetos muito simples, somente para concluir a certificação. Se os projetos não têm retorno interessante para a empresa, o LSS não será atrativo para ninguém. Por outro lado, cuidado com a condução de projetos muito complexos (com participação de várias áreas), especialmente quando o Belt está sendo treinado e não há muito suporte interno.
- Há formas adequadas para definir uma boa meta. Ela não pode ser impossível de atingir, mas também não pode ser muito frouxa.
- As perguntas que pode fazer um bom Champion na seleção de projetos: Qual é a dor? Quanto eu ganho com isto? É importante para o departamento? Para a empresa?
Conclusão:
- Algumas vezes, “pintamos” o LSS como algo fantástico, extraordinário, que somente tem coisas boas. É necessário deixar claro que o LSS não é mágica, não é feito no curtíssimo prazo e sucesso no longo prazo não é trivial.
- A chance de sucesso é proporcional ao esforço, mas existe um patamar mínimo necessário de comprometimento e dedicação das pessoas.
- Nada é de graça.
- As empresas que enxergam o Lean Six Sigma como sendo mais uma ferramenta, têm sua chance de falha aumentada e o tempo de vida reduzido drasticamente.
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